quinta-feira, 22 de março de 2012

A VERDADE, por GEOVANI DA ROCHA GONÇALVES

A verdade. 
Logo que ingressei no curso superior em Filosofia, escrevi um artigo, para o "blog"da turma. não era muito profundo, porém, acho que de certa forma alcançou muitas pessoas (muito embora hoje eu tenha uma percepção diferente sobre alguns pontos de vistas colocados a época). Transcrevo aqui para poderem apreciá-lo, sem moderação!

"Como pontapé inicial, vou escrever sobre um tema filosófico, que ninguém nunca chegou a um consenso ao longo dos tempos, mas que a alguns dias me corroeu o pensamento: a verdade. Mas afinal o que é a verdade? A grande verdade é que verdade nunca tem resposta, cada um acredita no que quer ( Certa vez li algo que dizia o seguinte “cada pessoa possui sua própria verdade, e tudo aquilo em que uma pessoa acredita passa a ser a sua verdade. O que nós não podemos fazer é "parar" no tempo, nos fechar para outras possibilidades e idéias, pois o que hoje acreditamos ser o correto, pode ser provado amanhã o contrário”. E é neste ponto que faço a reflexão: será que tudo aquilo que cremos é verdadeiro? Será que não há outro lado de uma mesma história? Será que antes de julgar alguém baseado na “verdade” dos outros não deveríamos dar oportunidade para esse alguém mostrar a sua verdade? Infelizmente muitas vezes não agimos assim, pois acreditamos fielmente que estamos corretos e “ai” daquele que diga o contrário, afinal a verdade é minha, só minha e ponto final. É como diz um provérbio iraniano:“A verdade é um espelho que caiu das mãos de Deus e se quebrou. Cada um recolhe o pedaço e diz que toda a verdade está naquele caco.” Explicando o provérbio, é mais ou menos assim: a verdade é um conjunto de fatos, mas às vezes insistimos em pegar apenas pequenos fragmentos, pequenos pedaços, e acreditamos que fomos o “sortudo”, que a verdade se concentrou só neste fragmento que possuímos, sem considerarmos o todo, sem considerar que a verdade estava por todo o espelho, e que para entendê-la seria necessário juntar os outros cacos, os outros fragmentos. E quando agimos assim, quando não juntamos os outros pedaços, descobrimos com o tempo (e o tempo é o senhor da razão) que talvez não tínhamos a verdade por completo. Por isso, depois de muito refletir sobre o que é a verdade, resolvi que na minha vida, nada mais será de imediato, resolvi que em tudo darei um tempo, resolvi que antes de qualquer opinião vou primeiro recolher os outros pedaços.

PREFEITURA NÃO TEM APTIDÃO PROCESSUAL PARA REPRESENTAR JUDICIALMENTE O MUNICÍPIO, por Geovani da Rocha Gonçalves


1. Introdução

Muitos advogados que não militam na área pública cometem imprecisões técnicas quando aceitam, muitas vezes, litigar em face do poder público. Uma destas imprecisões é quando litigam em face do município e colocam a “Prefeitura” no polo passivo da relação jurídico processual.
Apenas a título de lembrança, a relação jurídico-processual é uma relação trilateral (ou triangular), porquanto entretecida entre o juiz e as partes e entre o réu e o autor, reciprocamente, e um erro na configuração desta trilateralidade, configura ausência de pressuposto processual de validade ou desenvolvimento válido do processo.
Por isso os advogados que atuam nos municípios não perdoam, e buscam através de preliminares a extinção do processo sem análise do mérito.
Os argumentos normalmente são de que Prefeitura é órgão e não tem personalidade jurídica.

2. Teoria do Órgão – Prefeitura é órgão

Prefeitura, ensina Hely Lopes Meirelles[1]:

 "É o órgão executivo do Município. Órgão independente, composto, central e unipessoal (...). Como órgão público, a Prefeitura não é pessoa jurídica; é simplesmente a unidade central da estrutura administrativa do Município. Nem representa juridicamente o Município, pois nenhum órgão representa a pessoa jurídica a que pertence, a qual só é representada pelo agente (pessoa física) legalmente investido dessa função que, no caso, é o prefeito. Daí a impropriedade de tomar-se a Prefeitura pelo Município, o que equivale a aceitar-se a parte pelo todo, ou seja, o órgão, despersonalizado, pelo ente, personalizado (...). Nas relações externas e em juízo, entretanto, quem responde civilmente não é a Prefeitura, mas sim o Município, ou seja, a Fazenda Pública Municipal, única com capacidade jurídica e legitimidade processual para demandar e ser demandada, auferindo as vantagens de vencedora e suportando os ônus de vencida no pleito." (grifou-se)

Adota o clássico autor, às claras, a Teoria do Órgão. Por esta, em linhas gerais, as pessoas jurídicas emanam sua vontade por seus órgãos, titularizados por seus agentes, na forma de sua organização interna. O órgão, do famoso ponto de vista de Gierke, é "parte do corpo da entidade e, assim, todas as suas manifestações de vontade são consideradas como da própria entidade." Tal teoria transporta para o campo do Direito Administrativo o próprio corpo humano: órgão é coração, é rim, é pulmão. O corpo é o todo. A manifestação do amor, pelo coração (órgão) e declarado pela boca (órgão) é manifestação do corpo (todo).
Órgãos, pois, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, "não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica."[2]
Possuindo tal natureza jurídica de parte integrante de um todo, a Prefeitura sequer poderia ter aptidão processual para representar judicialmente o Município. Quando muito, conforme diz Pontes de Miranda, o órgão "presenta" o ente federativo (no caso, o Município), no sentido de "estar presente para dar presença à entidade de que é órgão (...); onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra ''representação'', ''representar'', ''representante'', ''representado'', não porém onde a participação processual ativa ou passiva, é de órgão."[3] (grifou-se). Concertando deste mesmo entendimento, vêm Ovídio A. Batista da Silva e Fábio Gomes dizer:

"Os órgãos das pessoas jurídicas – diz muito bem Pontes de Miranda – são partes de seu ser, portanto, não as representam. A lei constitutiva da pessoa jurídica em causa, seja ela de direito público ou de direito privado, dirá quem a deve presentar, torná-la presente (não representá-la) em juízo."[4] (grifos originais)
O Município é que, sendo pessoa (CC, 41, III), possui personalidade jurídica própria, ao contrário de seus órgãos.

3. Reflexos Processuais
Demonstrada a diferença marcante entre as naturezas jurídicas dos dois institutos, disso extrai-se os reflexos para a seara processual de modo que, se a ação foi ajuizada em face do "órgão" e não em face do Município, configura-se erro grave na delimitação do pólo passivo, pois como já citado, nas lições de Hely Lopes Meirelles "no rigor jurídico, esses vocábulos têm sentido diverso: Município é pessoa jurídica; Prefeitura é órgão e Prefeito é agente."[5]
Portanto, ajuizada ação em face da Prefeitura, tem-se que foi ajuizada em face de órgão.
Desta forma, nos termos do artigo 267, §3º, 2ª parte do CPC, ocorre no caso em tela a falta de pressuposto processual de validade ou desenvolvimento válido, com supedâneo nos arts. 267, IV e §3º c/c 301, X, todos do Código Processual Civil.
É o que, aliás, confirmam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, para os quais "a capacidade das partes e a regularidade de sua representação judicial são pressupostos processuais de validade. A falta desses pressupostos acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito." [6]
É, bem por isso, que o legislador processual fez plasmar no art. 12, II do Código de Processo Civil a quem competiria representar o Município ativa e passivamente (o Prefeito e seus Procuradores). Não permitiu que o fizesse o órgão. A norma que daí se extrai é imperativa e, pois, de interpretação restrita. Admitir-se o contrário seria o mesmo que se ter o coração representando toda uma pessoa humana, isto é, tomar-se a parte pelo todo, o que, data venia, não encontra agasalho jurídico.
Assim, apontado a falta de pressupostos processuais de validade, os quais, uma vez inobservados, levam o feito a ser extinto sem perquirição acerca do mérito (CPC, 267, IV).




[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 518 e 520.

[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 130
[3] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed.. Tomo I. Atualizado por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 288
[4] SILVA, Ovídio A. Baptista da e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 141.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas data", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 25ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 58, nota nº 7
[6] NERY, Nelson Nery Junior e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6ª ed.. São Paulo, RT, 2002.