quarta-feira, 8 de agosto de 2012


UM OLHAR SOBRE O OUTRO

A cena que vou descrever é real, com omissões dos nomes envolvidos é claro. Trata-se de uma criança, de 06 anos de idade, que aprendeu na escola a importância da reciclagem para o meio ambiente, para o nosso planeta e para nós mesmos. Na sua casa os pais não reciclavam nada. Tudo é lixo!
Certa feita, o pai pega garrafas “pet” de refrigerantes, latas de alumínio da cerveja e alguns pacotes plásticos e vai jogar tudo no “lixo”. O filho de 06 anos, diz:
- Paiiiii, não coloque no lixo esses negócios ai!!! Vamos por numa sacola do reciclável?
O pai responde:
- Ahhh, não enche o saco.
O filho, sem entender muita coisa do que o pai fala, responde:
- Hummm
O pai, então, joga tudo num latão de “lixo” e entra para dentro da casa e conta para a esposa os questionamentos do filho, com o qual a mãe responde:
- É que na escola eles ficam ensinando essas bobagens para a criança.
Passado alguns minutos, sem que o filho entrasse para dentro da casa, resolvem olhar por onde anda ele, e então saem para verificar onde está o menino. A cena que presenciam é, no mínimo, desconcertante. O menino agachado, havia virado o tambor de lixo, e estava separando tudo em pequenos montes.  Ao perceber que os pais o observavam, chamou por eles:
- Venham me ajudar, estou separando o que não é lixo !!!!

Esta é uma cena, da qual podemos tirar várias lições. Como cenário filosófico, a questão permite abordar, no mínimo dois temas de muita importância. O primeiro deles a questão ética em relação a nossa responsabilidade com o meio ambiente, como uma conduta ativa, que nos leva a refletir de que forma estamos cuidando da nossa casa Terra e o que estamos deixando para as futuras gerações. Teremos nós o direito de destruir e impedir que o outro ser humano desfrute daquilo que não é só nosso? E os outros animais? Plantas?
Esses questionamentos são discutidos por  Alfredo Marcos Martínez, em Etica ambiental[1], publicado pela  Universidad de Valladolid, 2001, no qual aborda a ética ambiental como  um ponto de vista racional dos problemas morais relacionados com o ambiente. Este ramo da ética tem cada vez mais importância, uma vez que os problemas ambientais estão hoje bastante presentes e porque a nossa capacidade de intervenção sobre o meio é cada vez maior, sendo necessária uma base racional para tomar decisões ambientais boas e corretas de um ponto de vista moral.
Na nossa historieta, percebemos o quanto falta aos adultos, tomar atitudes racionais, quando poderiam fazê-lo de forma livre e espontânea, bem ao contrário da atitude da criança, que muito embora não entenda o significado de condutas morais e éticas, fez aquilo que devia fazer: tomou a iniciativa.
Um segundo tema, é a centralização dos indivíduos, em si mesmo, sem olhar e escutar o outro. Esse egocentrismo tem levado as pessoas a se tornarem uma “ilha da verdade”, onde o mundo é analisado somente pelo que o indivíduo pensa. Influenciado muitas vezes por fatores de ordem econômica,política, ideológica e cultural, ele chega a ter certeza de que seu pensamento é o único certo e verdadeiro. Claro, que quando assim se comporta, ele eliminou a sua capacidade própria de pensar e não se dá conta de que ele esta exatamente é recebendo uma ordem do sistema, como ele deve agir e pensar.
Por isso, precisamos prestar atenção no outro, escutar as suas verdades, os seus argumentos, para, a partir daí, fazer a reflexão. Ou seja, a partir do olhar do outro, olhar para dentro de si, pois só assim podemos perceber quando somos nós que estamos desejando algo ou são os outros que desejam por nós.
E mais, prestar atenção no outro, significa também escutar. Ouvir o que nos dizem pode fazer a diferença em nossa conduta futura. Segundo Délia Steinberg Guzmán[2], licenciada em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e membro da Nova Acrópole Organização Internacional [...] Ouvir é poder fazer a comparação com o que nós pensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento oportuno, sem interromper bruscamente e sem passar por alto o que o outro está a dizer”.
A referida filósofa, afirma ainda:
O que só se ouve a si mesmo, o que só aprecia as suas próprias ideias, o que se sente atraído pelo som da sua própria voz, o que não concede importância à existência de outras pessoas e usa-as apenas como ecrã para reflectir as suas palavras, nunca poderá conversar, nunca poderá estabelecer uma salutar relação humana.
Há que saber ouvir. Não é preciso ser-se mudo ou retraído, mas antes usar essa faculdade excelente que nos faz tomar em consideração quem temos pela frente, a quem procura uma relação tanto como nós a procuramos. Ouvir é uma arte: requer prestar atenção, valorizar o que os outros dizem, entender por que é que dizem as coisas que nos dizem, ler nos olhos do que fala tanto como se ouvem as suas palavras, colaborar em silêncio com gestos que indiquem a nossa activa participação no diálogo.
Ouvir é poder fazer a comparação com o que nós pensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento oportuno, sem interromper bruscamente e sem passar por alto o que o outro está a dizer. É responder partindo daquilo que nos disseram e formar um fio condutor inteligente, para que a conversa tenha um sentido, ou seja, princípio, meio e fim. Ouvir é compreender os outros e a nós próprios. Neste mundo tão carente de virtudes, bem podemos, como filósofos, retomar esta valiosa atitude que traz tantos benefícios a todos nós.
O que é capaz de conversar, alternando engenhosamente as suas intervenções com as dos demais, o que ouve os outros tanto ou mais do que a si mesmo, sabe colher tesouros em todos os cantos e momentos da vida. Desenvolve a observação, a paciência, o respeito e a capacidade de pensar. Saber ouvir é a melhor maneira de saber falar.

Claro fica, na historieta, a falta de atenção, do olhar sobre o outro, do olhar do pai (e da mãe também) sobre o filho, que tomaram atitudes prepotentes, uma vez que não deram a devida atenção, como se seus conhecimentos sobre o fato fossem muito superiores ao da criança, sem refletir sobre suas próprias condutas e atitudes, o que nos revela o quanto o ser humano tem ainda que aprender com o próximo e com as coisas da vida.
Mas a inteligência da criança falou mais alto que a dos adultos, talvez pelo fato que sua mente ainda não está corrompida pelas ideias do mundo exterior.  Seu ato, foi uma outra linguagem, uma outra forma de chamar a atenção: se não querem me ouvir falando, prestam atenção em mim fazendo.



[1] Marcos, Alfredo (2001). Ética ambiental. Valladolid: Universidad de Valladolid, pp. 17-9 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira). Disponível em: http://qualia-esob.blogspot.com.br/search/label/%C3%89tica%20Ambiental. Acesso em 07 ago 2012
[2] Saber Ouvir. Disponível em: http://nova-acropole.org.br/info/delia-steinberg-guzman. Acesso em 08 ago 2012