UM OLHAR SOBRE O OUTRO
A cena que vou descrever é real, com
omissões dos nomes envolvidos é claro. Trata-se de uma criança, de 06 anos de
idade, que aprendeu na escola a importância da reciclagem para o meio ambiente,
para o nosso planeta e para nós mesmos. Na sua casa os pais não reciclavam
nada. Tudo é lixo!
Certa feita, o pai pega garrafas
“pet” de refrigerantes, latas de alumínio da cerveja e alguns pacotes plásticos
e vai jogar tudo no “lixo”. O filho de 06 anos, diz:
- Paiiiii, não coloque no lixo esses
negócios ai!!! Vamos por numa sacola do reciclável?
O pai responde:
- Ahhh, não enche o saco.
O filho, sem entender muita coisa do
que o pai fala, responde:
- Hummm
O pai, então, joga tudo num latão de
“lixo” e entra para dentro da casa e conta para a esposa os questionamentos do
filho, com o qual a mãe responde:
- É que na escola eles ficam
ensinando essas bobagens para a criança.
Passado alguns minutos, sem que o
filho entrasse para dentro da casa, resolvem olhar por onde anda ele, e então
saem para verificar onde está o menino. A cena que presenciam é, no mínimo,
desconcertante. O menino agachado, havia virado o tambor de lixo, e estava
separando tudo em pequenos montes. Ao
perceber que os pais o observavam, chamou por eles:
- Venham me ajudar, estou separando
o que não é lixo !!!!
Esta é uma cena, da qual podemos
tirar várias lições. Como cenário filosófico, a questão permite abordar, no
mínimo dois temas de muita importância. O primeiro deles a questão ética em
relação a nossa responsabilidade com o meio ambiente, como uma conduta ativa,
que nos leva a refletir de que forma estamos cuidando da nossa casa Terra e o que
estamos deixando para as futuras gerações. Teremos nós o direito de destruir e
impedir que o outro ser humano desfrute daquilo que não é só nosso? E os outros
animais? Plantas?
Esses questionamentos são discutidos
por Alfredo
Marcos Martínez, em Etica
ambiental[1],
publicado pela Universidad de
Valladolid, 2001, no qual aborda a ética ambiental como um ponto de vista racional dos problemas
morais relacionados com o ambiente. Este ramo da ética tem cada vez mais
importância, uma vez que os problemas ambientais estão hoje bastante presentes
e porque a nossa capacidade de intervenção sobre o meio é cada vez maior, sendo
necessária uma base racional para tomar decisões ambientais boas e corretas de
um ponto de vista moral.
Na nossa historieta, percebemos o
quanto falta aos adultos, tomar atitudes racionais, quando poderiam fazê-lo de
forma livre e espontânea, bem ao contrário da atitude da criança, que muito
embora não entenda o significado de condutas morais e éticas, fez aquilo que
devia fazer: tomou a iniciativa.
Um segundo tema, é a centralização
dos indivíduos, em si mesmo, sem olhar e escutar o outro. Esse egocentrismo tem
levado as pessoas a se tornarem uma “ilha da verdade”, onde o mundo é analisado
somente pelo que o indivíduo pensa. Influenciado muitas vezes por fatores de
ordem econômica,política, ideológica e cultural, ele chega a ter certeza de que
seu pensamento é o único certo e verdadeiro. Claro, que quando assim se
comporta, ele eliminou a sua capacidade própria de pensar e não se dá conta de
que ele esta exatamente é recebendo uma ordem do sistema, como ele deve agir e
pensar.
Por isso, precisamos prestar atenção
no outro, escutar as suas verdades, os seus argumentos, para, a partir daí,
fazer a reflexão. Ou seja, a partir do olhar do outro, olhar para dentro de si,
pois só assim podemos perceber quando somos nós que estamos desejando algo ou
são os outros que desejam por nós.
E mais, prestar atenção no outro,
significa também escutar. Ouvir o que nos dizem pode fazer a diferença em nossa
conduta futura. Segundo Délia Steinberg
Guzmán[2],
licenciada em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e membro da Nova
Acrópole Organização Internacional [...] Ouvir é poder fazer a
comparação com o que nós pensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa
comparação, o peso dos nossos pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento
oportuno, sem interromper bruscamente e sem passar por alto o que o outro está
a dizer”.
A
referida filósofa, afirma ainda:
O que só se ouve a si mesmo, o que só aprecia as suas
próprias ideias, o que se sente atraído pelo som da sua própria voz, o que não
concede importância à existência de outras pessoas e usa-as apenas como ecrã
para reflectir as suas palavras, nunca poderá conversar, nunca poderá estabelecer
uma salutar relação humana.
Há que saber ouvir. Não é preciso ser-se mudo ou
retraído, mas antes usar essa faculdade excelente que nos faz tomar em
consideração quem temos pela frente, a quem procura uma relação tanto como nós
a procuramos. Ouvir é uma arte: requer prestar atenção, valorizar o que os
outros dizem, entender por que é que dizem as coisas que nos dizem, ler nos
olhos do que fala tanto como se ouvem as suas palavras, colaborar em silêncio
com gestos que indiquem a nossa activa participação no diálogo.
Ouvir é poder fazer a comparação com o que nós pensamos
e ter a oportunidade de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos
pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento oportuno, sem interromper
bruscamente e sem passar por alto o que o outro está a dizer. É responder
partindo daquilo que nos disseram e formar um fio condutor inteligente, para
que a conversa tenha um sentido, ou seja, princípio, meio e fim. Ouvir é
compreender os outros e a nós próprios. Neste mundo tão carente de virtudes,
bem podemos, como filósofos, retomar esta valiosa atitude que traz tantos
benefícios a todos nós.
O que é capaz de
conversar, alternando engenhosamente as suas intervenções com as dos demais, o
que ouve os outros tanto ou mais do que a si mesmo, sabe colher tesouros em
todos os cantos e momentos da vida. Desenvolve a observação, a paciência, o
respeito e a capacidade de pensar. Saber ouvir é a melhor maneira de saber
falar.
Claro fica, na historieta, a falta
de atenção, do olhar sobre o outro, do olhar do pai (e da mãe também) sobre o
filho, que tomaram atitudes prepotentes, uma vez que não deram a devida
atenção, como se seus conhecimentos sobre o fato fossem muito superiores ao da
criança, sem refletir sobre suas próprias condutas e atitudes, o que nos revela
o quanto o ser humano tem ainda que aprender com o próximo e com as coisas da
vida.
Mas a inteligência da criança falou
mais alto que a dos adultos, talvez pelo fato que sua mente ainda não está
corrompida pelas ideias do mundo exterior.
Seu ato, foi uma outra linguagem, uma outra forma de chamar a atenção:
se não querem me ouvir falando, prestam atenção em mim fazendo.
[1] Marcos, Alfredo (2001). Ética ambiental.
Valladolid: Universidad de Valladolid, pp. 17-9 (Traduzido e adaptado por Vítor
João Oliveira). Disponível em: http://qualia-esob.blogspot.com.br/search/label/%C3%89tica%20Ambiental.
Acesso em 07 ago 2012
[2] Saber Ouvir. Disponível em:
http://nova-acropole.org.br/info/delia-steinberg-guzman. Acesso em 08 ago 2012