segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

LICITAÇÃO: LANCE ZERO. POSSIBILIDADE.





LICITAÇÃO: LANCE ZERO. POSSIBILIDADE.

Em certa ocasião, tivemos a oportunidade em dar parecer, sobre a seguinte situação fática:

“Num Pregão Presencial que visava a contração de pessoa jurídica para fornecimento de acesso a rede mundial de computadores (internet), as empresas participantes, disputaram em sessão publica, lance a lance o valor do futuro contrato, até que chegaram a ofertar lance zero. A Pregoeira, por diversas vezes alertou as licitantes que os valores poderiam ser inexequíveis, da seriedade do certame, inclusive quanto a possível responsabilidade da prestação do serviços, uma vez que não seria feito nenhum reajuste e nem reequilíbrio econômico financeiro do futuro contrato. Quando o lance foi zero, a Pregoeira alertou que tal situação, a  princípio, poderia ferir a lei de licitações, no art. 44, § 3º, podendo eventualmente ser considerada inexequivel.

No entanto, quando analisamos a situação, nos posicionamos pela possibilidade de se ofertar lance zero, com base nos seguintes fundamentos, Vejamos!
A dúvida da pregoeira era saber se a Administração Pública tinha competência para revogar ou não uma licitação com base na inexequibilidade do preço oferecido pela empresa vencedora, alegando que as empresas não iriam honrar o compromisso firmado em sede de julgamento das propostas.
Do processo em análise, observou-se que a Pregoeira alertou as empresas quanto à viabilidade da execução de suas ofertas em eventual contrato e ainda assim as empresas continuaram disputando até chegar ao valor zero. Como garantia, juntaram ao processo declarações que possuíam infraestrutura e condições plenas de ofertar os serviços a custo zero ao município.
A primeira questão a ser posta, num caso como este, é que toda a atividade econômica visa lucro, porém se as próprias licitantes abrem mão do lucro e afirmam textualmente que tem condições de fornecer os serviços com todas as garantias, não pode a administração diante destes fatos afirmar, por presunção,  que os serviços são inexequíveis. As empresas que participam de um processo licitatório devem encarar este certame com toda a seriedade e tomar o cuidado se os seus atos não são única e exclusivamente com a finalidade de frustrar certame, por que se isso acontecer, estar-se entrando na esfera criminal, por prática, em tese,  de crime previsto na própria lei de licitações.
 Ademais, caso a empresa firmar o compromisso e não conseguir cumprir o acordado, estará sujeita às sanções administrativas elencadas no art. 87 da Lei 8.666/93, in verbis:
Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
§ 1o  Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
§ 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3o  A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. (Vide art 109 inciso III) (G.N.)

Assim, inicialmente, entende-se que caso a empresa oferte um preço aparentemente inexequível, o correto seria iniciar o contrato, e caso ela não possa cumprir com o avençado, que se aplique as sanções previstas supra e não, simplesmente revogar ou anular a licitação alegando inexequibilidade, invadindo a esfera privada da empresa, avaliando critérios técnico-financeiros da empresa que tem interesse em fornecer os produtos licitados.
O art. 48 da lei de licitações diz que serão desclassificadas as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação; as propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.
Vale citar uma das deliberações do TCU (Acórdão 287/2008 – Plenário – Voto do Ministro Relator) acerca do tema para melhor esclarecimento.

“Assim, o procedimento para a aferição de inexequibilidade de preço definido no art. 48, inciso II, § 1°, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços. Isso porque, além de o procedimento encerrar fragilidades, dado que estabelece dependência em relação a preços definidos pelos participantes, sempre haverá a possibilidade de o licitante comprovar a sua capacidade de bem executar os preços propostos, atendendo satisfatoriamente o interesse da administração. Nessas circunstâncias, caberá à administração examinar a viabilidade dos preços propostos, tão somente como forma de assegurar a satisfação do interesse público, que é o bem tutelado pelo procedimento licitatório.

Por essas razões, e principalmente porque havia declarações de ambas as empresas de que cumpririam o contrato, mesmo sendo o valor zero, ainda que a administração vislumbrasse a possibilidade de estar comprometida a regular prestação do serviço contratado, no caso em apreço, ao nosso entendimento, não havia motivos para pura e simplesmente revogar a licitação.
Vê-se que o entendimento do Tribunal de Contas da União coaduna-se com nosso entendimento, pois a declaração fornecida por cada uma das empresas de que cumpririam o contrato mesmo ao “lance zero”, esta declaração estava compatível com o interesse público de que os serviços seriam regularmente prestados.
Ademais, reforçando os argumentos acima, o professor MARÇAL JUSTEN FILHO[1] afirma que “o Estado não pode transformar-se em fiscal da lucratividade privada e na plena admissibilidade de propostas deficitárias.” Justen Filho, ainda explica que “não é cabível que o Estado assuma, ao longo da licitação, uma função similar à de curatela dos licitantes. Se um particular comprometer excessivamente seu patrimônio, deverá arcar com o insucesso correspondente”.
Por isso, sempre nos posicionamos que os arts. 44, § 3° e 48, II,  §§ 1° e 2° da Lei nº 8.666/93, devem ser interpretados levando em conta o interesse público, no sentido de se avaliar com muito cuidado o cumprimento do objeto ou não.
O que não pode ocorrer de forma alguma é o cancelamento da licitação ou desclassificação do licitante sob a argumentação que não conseguirá arcar com seus compromissos, pois não é da alçada do Estado fazer esse juízo de valor da empresa, até porque a proposta “zero" é permitida quando se tratar de materiais ou instalações do próprio licitante, como era o caso do serviço que se estava contratando.



[1] [1] JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à Lei de Licitações, 9° ed. Dialética, 2002.