Como este blog foi
criado com o objetivo de tratar de assuntos ligados ao Direito Municipal (que
inclusive é o título do blog), iria escrever sobre as origens do município.
Porém, além dos livros que possuo, existe materiais bons na rede mundial, de
forma que vou postar alguns excertos colhidos de alguns artigos de ótima
qualidade. Neste trecho escolhido do artigo "O Município na História do
Brasil", de Maria Elizabete Marcondes Guimarães, é traçado um panorama
histórico da formação do município. Vejamos!
O MUNICÍPIO NA HISTÓRIA GERAL
O
Município como unidade político-administrativa surgiu com a República Romana
que premiava as cidades que aceitavam pacificamente a sua dominação, dando-lhes
privilégios privados (jus connubi, jus commerci, etc.) e políticos, que
consistiam em permitir que essas comunidades elegessem seus governantes e
dirigissem suas cidades.
Os
Romanos denominavam essas comunidades de Municipium, que se repartiam em duas
categorias, dependendo da maior ou menor autonomia de que desfrutavam
(municipia caeritis e municipia foederata), dentro do direito romano (jus
italicum).
Segundo
Wolgran Junqueira Ferreira:
Na República Romana, os Municípios se caracterizam
por agrupações de famílias, reunidas em uma circunscrição territorial, que
gozam do direito de cidadania, tendo, em troca, a obrigação de pagar a Roma
certos tributos e de servirem a seus exércitos. (1995, p.12)
Nessas
cidades havia os homens livres, considerados cidadãos do Município (cives
munícipes) e os estrangeiros (incolae), e somente os primeiros tinham direito a
voto.
Estas
cidades eram administradas por um colégio de dois a quatro magistrados que
administravam a justiça (duumviri juridicundo ou quatuorviri juridicundo) e
eram auxiliados por magistrados inferiores, encarregados administrativos e de
polícia (aedilis).
Além
desses, segundo Hely Lopes Meirelles, integravam o governo municipal, o
encarregado da arrecadação (quaestor ou exactor), o encarregado da fiscalização
dos negócios públicos (curator), o defensor da cidade ({defensor civitatis}, os
notários (actuarii) e os escribas (scribal), que auxiliavam os magistrados. As
leis locais (edictus) eram feitas por um Conselho Municipal (Cúria ou Ordo
Decurionum) constituída por muitos cidadãos do Município (civis municipes),
escolhidos periodicamente (duoviri quinquennales) e com funções parecidas com
as do Senado Romano). (Meirelles, Hely Lopes,2001, p.34)
No ano de
494 a.C. é criada a figura dos magistrados plebeus (edis), auxiliados pelo
Tribunal da Plebe na execução das sentenças, no ano de 366, foram criados os
edis patrícios, que cuidavam da polícia da cidade, da higiene, da fiscalização
dos pesos e medidas, o castigo dos infratores a seus éditos, as ações edilícias
(redhibitoria e aestimatoria ou cuanti minoris) que servia como garantia dos
vícios ocultos.
Os
encarregados pela arrecadação (questor ou exator), eram os magistrados, que
residiam em Roma e tinham o encargo de receber todo o dinheiro devido ao
Estado, em virtude do pagamento das taxas, tributos,multas, indenizações de
guerra, etc., para empregá-lo no custeio das obras públicos e manutenção dos
serviços públicos.
As leis
locais (edictus) continham ordens ou disposições dos magistrados e as regras de
direito que deviam reger os municípios.
O édito,
segundo Wolgran Junqueira Ferreira, era escrito em tábuas brancas de madeira,
lidas publicamente e afixadas no Fórum e em outros lugares visíveis para dar
conhecido ao povo. (1995b,p.14)
Julio
César, através da Lex Julia Municipalis estendeu as colônias da Itália esse
sistema de governo, e mais tarde, através das invasões, foi se estendendo as
Províncias conquistadas da Grécia, Gália e Península Ibérica, e, por
conseguinte, a França, Espanha e Portugal.
De 251
d.C a 271, período em que os godos e outros povos bárbaros invadiram o Império
Romano, o regime municipal permaneceu intacto.
Consoante
Hely Lopes Meirelles, “assim o regime municipal chegou à França, Espanha e
Portugal, e paulatinamente se foi modificando, sob a dominação bárbara que se
sucedeu à hegemonia romana”. (1985, p.26)
Mesmo sob
o controle dos bárbaros a legislação romana não foi abalada, e o regime
municipal permaneceu intacto durante o julgo do feudalismo, nos séculos XI e
XII.
A
emancipação das comunas na França, segundo Carneiro Maia apud Wolgran Junqueira
Ferreira, não foi um ato espontâneo da realeza, “como pretende a maior parte
dos historiadores, e lê-se no preâmbulo da Carta Francesa de 1814:“C’est ainsi
que lês communes ont dù leur affranchissement à Louis de Gros.” (1995, p.15),
pois foi gerada no seio das próprias comunas, causada pela liberdade oprimida,
e por meios de ação e força e a riqueza de que já dispunham as cidades
revoltadas sob a influência da burguesia e do clero das paróquias.
A realeza
aproveitando-se da revolução iniciada pelo povo contra a tirania dos senhores
interviu de forma a encaminhá-la no interesse próprio, no sentido de opor-se e
abater o poder feudal, inimigo dos príncipes e das comunas.
Os reis
passaram a outorgar as cartas comunais que emancipavam às comunas, mas em
grande parte apenas homologavam as obtidas dos próprios senhores, algumas de
forma espontânea, outras pela força ou pelo dinheiro.
A sanção
real era uma garantia a mais contra os senhores, mas não deixava de ser uma
forma de hostilizar o feudalismo em detrimento da Monarquia.
Wolgran
Junqueira Ferreira, citando Augusto Thierry esclarece:
“Além disso, essas cartas, na maior parte, eram
contratos celebrados entre o rei e as comunas onde aquele prometia imunidades,
e estas se obrigavam à prestação de serviços militares, além de uma renda
determinada, o que demonstra, primeiro: que os reis não faziam concessões
gratuitas; segundo: que a forma sinalagmática dessas cartas, como as de Laon,
St. Quentin, Soissons, e outras, integralmente publicadas por Guizot, indica
que os próprios reis reconheciam nas comunas, certa individualidade política,
ou independência de poder para estipularem condições recíprocas” (1995,p.15)
Como a
realeza não tinha pretensão de fortalecer o Município, e sim de amparar a
monarquia que oscilava entre a revolta popular e o feudalismo, na medida em que
o poder feudal foi se enfraquecendo, essas concessões foram confiscadas.
A
monarquia francesa na intenção de manter o poder real, foi retirando o poder
das comunas, acabou por preparar a unidade nacional que foi perseguida pela
Revolução de 1789.
O
município na Espanha remonta do domínio imperial dos romanos, e propriamente de
Júlio César que fundou algumas colônias e municípios.
Quando da
invasão da península ibérica pelos bárbaros, houve a manutenção das
instituições romanas e de seus costumes.
No Código
de Alarico (Breviário e sua Interpretação) o governo municipal aparecia na
forma de civicia, e os magistrados (duumviros e defensores) gozavam do
privilégio de serem delegados e representantes da civicia, pois antes exerciam
suas funções como uma espécie de direito pessoal.
Os
visigodos tinham o Fuero Juzgo que praticamente abolia o direito romano, e
criava um sistema dúplice de organização, parte eclesiástica e parte imperial,
mas sem destruir os fatos sociais e a instituição municipal.
Mas com a
derrota dos árabes, a monarquia gótica se restaurou e se fortaleceu, trazendo
novos elementos à instituição municipal, que passou a possuir características
próprias, crescendo de importância, na medida em que era constituída por homens
livres que recebiam direitos e regalias, com o propósito de expulsarem os
mouros.
A
incorporação dos núcleos moçárabes ao novo regime, e a crescente concessão
gradual de garantias e liberdades aos servos, distribuídas pelos condes e
bispos, através das cartas forais, possibilitou o surgimento de comunidades
denominadas conselhos.
A
denominação conselho é encontrada durante parte da história política
brasileira, mais precisamente até o advento do regime republicano.
A
representação popular aparece no início do século XII, e, nas cortes de Castela
e Aragão a primeira nobreza já figuravam os deputados (procuradores), formando
o primeiro sistema representativo da história política da Espanha.
Em
Portugal, o sistema municipal foi mantido pela necessidade de fixar seus
limites com a Espanha, de organizar a sociedade, de obter o auxílio da
burguesia contra as influências do clero e nobreza, durante o tempo necessário
para fortalecer a realeza, e de obter uma fonte de recursos para manutenção da
Monarquia Portuguesa, instalada em Lisboa em 1147 por Afonso Henriques.
Os
sistemas de impostos tinham uma vasta nomenclatura: relegos, portagens,
montados, talhas d’El-rei, quintos, açougagens, martinegas, ochavas, alcaidarias,
almocrevarias, entre outras.
As
cidades e vilas tinham direito de enviar dois homens bons (procuradores) as
Cortes, que eram órgãos naturais para recebimento das queixas contra o rei e
seus delegados. Alguns historiadores atribuem a essas Cortes caráter consultivo
e outros deliberatório, moderando os poderes do rei, como um terceiro Estado.
Em 1385 as Cortes aclamaram o rei João I, e segundo
Wolgran Junqueira Ferreira, lhe impuseram as seguintes condições: “a formar o
seu conselho de cidadãos das principais cidades do reino escolhidos por
proposta de listas tríplices; ouvir os povos em tudo o que fosse de seus
interesses e não impor tributos, fazer a paz e a guerra sem o seu
consentimento”. (1995c, p.18)
Na Idade
Média o Conselho de Magistrado foi substituído pelo Colégio de Homens Livres,
denominado Assembléia Pública de Vizinhos, com funções administrativa, policial
e judicial.
A
cobrança de tributos (monera) e a criação de cargos de alcaide, alvacis e
almatáceis foram contribuições árabes na organização administrativa dos
Municípios.
As
atribuições edilícias da Antiguidade de caráter eminentemente administrativo
transformaram-se nas funções político-administrativas do Município, que se
estende, na atualidade, por todo o território do Município.
Da
tradição Romana restaram os edis e da Idade Média os Conselhos dos Homens
Livres, hoje transformados nas Câmaras de Vereadores, cujos membros são
representantes da comunidade e fiscalizam o Poder Executivo Municipal.
Esta
tradição se fixa em nosso modelo de organização e se desenvolve ao longo da
história do Brasil, com importante contribuição para a nossa evolução
político-administrativa.
GUIMARÃES. Maria Elisabete Marcondes. O Município na História do Brasil. Disponível em: http://www.drabete.adv.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9:o-municipio-na-historia-do-brasil&catid=4:textos&Itemid=5. Acesso em 22 out 2011.
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