LICITAÇÃO: LANCE ZERO. POSSIBILIDADE.
Em
certa ocasião, tivemos a oportunidade em dar parecer, sobre a seguinte situação
fática:
“Num
Pregão Presencial que visava a contração de pessoa jurídica para fornecimento
de acesso a rede mundial de computadores (internet), as empresas participantes,
disputaram em sessão publica, lance a lance o valor do futuro contrato, até que
chegaram a ofertar lance zero. A Pregoeira, por diversas vezes alertou as
licitantes que os valores poderiam ser inexequíveis, da seriedade do certame,
inclusive quanto a possível responsabilidade da prestação do serviços, uma vez
que não seria feito nenhum reajuste e nem reequilíbrio econômico financeiro do
futuro contrato. Quando o lance foi zero, a Pregoeira alertou que tal situação,
a princípio, poderia ferir a lei de
licitações, no art. 44, § 3º, podendo eventualmente ser considerada inexequivel.
No
entanto, quando analisamos a situação, nos posicionamos pela possibilidade de
se ofertar lance zero, com base nos seguintes fundamentos, Vejamos!
A dúvida da pregoeira era saber se a
Administração Pública tinha competência para revogar ou não uma licitação com
base na inexequibilidade do preço oferecido pela empresa vencedora, alegando
que as empresas não iriam honrar o compromisso firmado em sede de julgamento
das propostas.
Do processo em análise, observou-se que
a Pregoeira alertou as empresas quanto à viabilidade da execução de suas
ofertas em eventual contrato e ainda assim as empresas continuaram disputando
até chegar ao valor zero. Como garantia, juntaram ao processo declarações que possuíam infraestrutura e condições plenas de ofertar os serviços a custo zero ao município.
A primeira questão a ser posta, num
caso como este, é que toda a atividade econômica visa lucro, porém se as
próprias licitantes abrem mão do lucro e afirmam textualmente que tem condições
de fornecer os serviços com todas as garantias, não pode a administração diante
destes fatos afirmar, por presunção, que
os serviços são inexequíveis. As empresas que participam de um processo
licitatório devem encarar este certame com toda a seriedade e tomar o cuidado
se os seus atos não são única e exclusivamente com a finalidade de frustrar
certame, por que se isso acontecer, estar-se entrando na esfera criminal, por
prática, em tese, de crime previsto na
própria lei de licitações.
Ademais, caso a empresa firmar o compromisso e
não conseguir cumprir o acordado, estará sujeita às sanções administrativas
elencadas no art. 87 da Lei 8.666/93, in verbis:
Art. 87. Pela
inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a
prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma
prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária
de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração,
por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de
inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto
perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a
reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será
concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos
resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso
anterior.
§ 1o Se a
multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta,
responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos
eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
§ 2o As
sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas
juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no
respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3o A
sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do
Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso,
facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10
(dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após
2 (dois) anos de sua aplicação. (Vide art 109 inciso III) (G.N.)
Assim, inicialmente, entende-se que
caso a empresa oferte um preço aparentemente inexequível, o correto seria
iniciar o contrato, e caso ela não possa cumprir com o avençado, que se aplique
as sanções previstas supra e não, simplesmente revogar ou anular a licitação
alegando inexequibilidade, invadindo a esfera privada da empresa, avaliando
critérios técnico-financeiros da empresa que tem interesse em fornecer os
produtos licitados.
O art. 48 da lei de licitações
diz que serão desclassificadas as propostas que não atendam às exigências do
ato convocatório da licitação; as propostas com valor global superior ao
limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis,
assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade
através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes
com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a
execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas
no ato convocatório da licitação.
Vale citar uma das deliberações do TCU
(Acórdão 287/2008 – Plenário – Voto do Ministro Relator) acerca do tema para
melhor esclarecimento.
“Assim,
o procedimento para a aferição de inexequibilidade de preço definido no art.
48, inciso II, § 1°, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/93 conduz a uma presunção
relativa de inexequibilidade de preços. Isso porque, além de o procedimento
encerrar fragilidades, dado que estabelece dependência em relação a preços
definidos pelos participantes, sempre haverá a possibilidade de o licitante
comprovar a sua capacidade de bem executar os preços propostos, atendendo
satisfatoriamente o interesse da administração. Nessas circunstâncias, caberá à
administração examinar a viabilidade dos preços propostos, tão somente como
forma de assegurar a satisfação do interesse público, que é o bem tutelado pelo
procedimento licitatório.
Por essas razões, e principalmente
porque havia declarações de ambas as empresas de que cumpririam o contrato,
mesmo sendo o valor zero, ainda que a administração vislumbrasse a
possibilidade de estar comprometida a regular prestação do serviço contratado,
no caso em apreço, ao nosso entendimento, não havia motivos para pura e
simplesmente revogar a licitação.
Vê-se que o entendimento do Tribunal
de Contas da União coaduna-se com nosso entendimento, pois a declaração
fornecida por cada uma das empresas de que cumpririam o contrato mesmo ao “lance
zero”, esta declaração estava compatível com o interesse público de que os
serviços seriam regularmente prestados.
Ademais, reforçando os argumentos
acima, o professor MARÇAL JUSTEN FILHO[1] afirma que “o Estado não pode transformar-se em fiscal
da lucratividade privada e na plena admissibilidade de propostas deficitárias.”
Justen Filho, ainda explica que “não é cabível que o Estado assuma, ao
longo da licitação, uma função similar à de curatela dos licitantes. Se um
particular comprometer excessivamente seu patrimônio, deverá arcar com o
insucesso correspondente”.
Por isso, sempre nos posicionamos que os
arts. 44, § 3° e 48, II, §§ 1° e 2° da Lei
nº 8.666/93, devem ser interpretados levando em conta o interesse público, no sentido
de se avaliar com muito cuidado o cumprimento do objeto ou não.
O que não pode ocorrer de forma alguma
é o cancelamento da licitação ou desclassificação do licitante sob a
argumentação que não conseguirá arcar com seus compromissos, pois não é da
alçada do Estado fazer esse juízo de valor da empresa, até porque a proposta
“zero" é permitida quando se tratar de materiais ou instalações do próprio
licitante, como era o caso do serviço que se estava contratando.
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